Aventuras e desventuras de moças em permanente movimento migratório.

segunda-feira, 7 de setembro de 2015

Ser emigrante

Isto de conhecer novas culturas e países é muita giro, mas ser emigrante não entra na categoria do giro. Ser emigrante é outra coisa: ser emigrante é lixado!
Ser emigrante é, em ultima análise, uma escolha, mas na maior parte das vezes é uma escolha “porque tem de ser”. É deixar o “conforto” da nossa casa e levar um chapadão a seco da senhora incerteza, essa grande matreira. Pois apesar das garantias e ajudas que possam haver no país de acolhimento a incerteza é gaja que anda sempre a pairar, tipo abutre. Ao emigrante resta acreditar no “vai correr tudo bem”, porque esperança é a única coisa que serve a quem já está a agarrar o touro pelos cornos.
Para trás fica tanto, mas tanto, que até doi só de pensar. É que não é só a família ou os amigos, são também as ruas, a mercearia do costume, o ginásio, a escola, a bica, o pão de leite com queijo, o sol e até a merda da chuva. Tudo aquilo que define a nossa origem.
Leva-se na bagagem o (estritamente) necessário – o limite de bagagem dos aviões não se compadece com vidas emigrantes – e um mundo de saudades dos ombros à unha do mindinho. Não interessa o dinheiro que se leva na carteira, as oportunidades que esperam lá do outro lado, porque é sempre assim que se vai. É assim que se emigra. É o filha da puta do “tem de ser” a dar a palavra final e o emigrante a engolir a seco.
Quando se chega ao outro lado, pela primeira vez, entra-se a medo, as dúvidas são muitas, a necessidade de perceber e de se enquadrar é pão para a boca. Por isso é que se engolem orgulhos e se abrem peitos. É que quando se aceitam as coisas como são, dói menos.
A terra não é nossa. Arriscamo-nos a ouvir um “volta para a tua terra” e não ter como responder porque em boa verdade aquela não é mesmo a nossa terra. Há momentos de revolta, de frustração, de medo e ansiedade. Há uma tristeza permanente mas que com o passar do tempo passa a ser nossa companheira. Sacana.
O tempo passa e com ele o período de acomodação. Acho que é por essas alturas que nasce a gratidão. Mas gratidão a sério, não aquela que vem toda supimpa com termos de comparação, com a boca cheia de criticas sobre o país de onde se veio e de venenosa soberba sobre quem nos acolhe. Não. Nada disso. Há um momento e que deixamos de pensar “olha a sorte que tiveste, quando há tanta gente a querer estar no teu lugar” para sentir gratidão e pensar “gosto disto, pá”.
Olha-se para o cartão ou para o documento que atesta a nossa residência no país de acolhimento e agradece-se. É que na verdade é mesmo preciso agradecer quem nos acolheu, quem nos deu a mão, quem nos deu a oportunidade de seguirmos com as nossas vidas. Foi dificil, porque foi. Mas fomos aceites, temos uma casa, um trabalho, às vezes até uma nova família, novos amigos. Uma nova vida. E isso vale tudo.
Eu já fui aceite por três países diferentes. Preenchi os papéis todos, correspondi ao perfil exigido. Tive documentos a provar a minha residência. Contratos de trabalho e segurança social, finanças e saúde. Aprendi a língua (se bem que o cantonês ficou sempre àquem das expectativas) e aceitei as condições impostas. Segui as minhas tradições e as minhas escolhas sem nunca desrespeitar as do país que me abriu as portas. Com mais ou menos celeridade e/ou dificuldade, fui sempre aceite e tive consciência disso. Foram sempre processos com uma certa complexidade, mas que merecem a minha eterna gratidão.
A sociedade destes três países acolheu-me, permitiu a minha subsistência e o meu desenvolvimento pessoal e profissional. Concretizaram alguns dos meus sonhos mas também me fizeram bater com a cabeça nas paredes. Cada vez mais para trás ficava o plano B, aquele que nos lembra que pudemos sempre voltar a casa se a coisa correr para o torto. O regresso nas férias recordava isso mesmo. Portugal seria sempre o meu porto seguro mas a casa, essa já era lá do outro lado.
Ser emigrante é viver entre dois mundos, é ser-se rabugento e grato ao mesmo tempo. É ser aceite e perceber que essa é mesmo a única solução para seguir com a vida. Ainda que seja lixado, ser emigrante é basicamente isto.
Não faço ideia o que seja ser refugiado.


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