Aventuras e desventuras de moças em permanente movimento migratório.

quinta-feira, 2 de julho de 2015

Tenho fome desde Janeiro.

Adoro pessoas que gostam de comer. Não necessariamente de enfardar, mas de saborear até ao fundo da alma, até saciar o espírito. Gosto das pessoas que sabem descrever as texturas, os cheiros e os sabores, pintar as sensações que trazem água na boca.

Sou Alentejana, o que significa que venho de uma terra que ama comer - e comer bem. Os Alentejanos são mestres na arte de cozinhar. Somos quase cientistas do tempero - e com uns bocados de pão duro, uns ovos cozidos, água quente, azeite e um molho de poejos fazemos uma obra de arte. Ajuda que a nossa terra, o nosso sol e os nossos ares sejam alegadamente "os melhores do mundo". E são.

Vivo no Sul da China há uns anos. Embora também se coma bem cá, é inevitável comparar de alguma forma aquilo que vivo no dia-a-dia com o que sei desde sempre. Aqui as águas são quentes, tudo é importado e vive-se com medo da poluição. Muitos pratos são bastante condimentados, talvez para mascarar a falta de sabor - ou então junta-se o útil ao agradável.  Na minha terra, um peixe grelhado só precisa de sal. A carne desfaz-se na nossa boca. A fruta é uma festa para as pupilas gustativas. 

Quando era pequenina, tinha o ritual de comer uma laranja ao sol com a minha avó, sentadas num fardo de cortiça. Hoje se me concentrar um bocado ainda consigo sentir a combinação daqueles cheiros. 
Quando emigramos, levamos na bagagem estes pequenos prazeres presos na memória, mas só nos apercebemos que os trazíamos conosco quando já estamos a 12,000kms de distância e algumas gastrites pelo meio.

Estamos em plena época de férias de Verão em Portugal, o que significa um facebook feed repleto de sardinhadas, minis, caracóis e bifanas em esplanadas banhadas pelo Sol dourado, vinhos frescos à beira-mar e pés descalços na relva dos jardins. As gelatarias estão cheias no domingo à tarde e todos vestem peles bronzeadas. 

Entretanto eu, pálida, vou vendo isto tudo aqui à distância, enquanto crio listas mentais que são autênticas ementas do banquete que se dará quando lá chegar. 
Tenho fome, Portugal.


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